6 de outubro de 2015

Um amor literário

Numa tarde fria e branca em São Paulo, aos seis de outubro de um ano que passa, termino de ler "O Melhor de Vinícius de Moraes". Um livro pequeno, de suas poucas 115 páginas, as quais me tiram do sofá e me levam para os anos dourados de sua existência.

Poeta, poetinha [Samba para Vinícius]
Camarada
Encantou inúmeras amadas.
Inebria com seus sonetos
E crônicas bem trabalhadas. 
Fico desejosa
De tê-lo conhecido
E quem sabe sido
Uma de suas namoradas.

Descobrir cada linha de seus textos é fazer um constante exercício de história. Remeter-nos a fatos e datas para compreender suas colocações. É também ter uma articulação literária capaz de nos basear a intertextualidade de suas colocações, como no último, "Soneto Sentimental a Cidade de São Paulo":

"Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária que importa - basta! - importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta   [Cidade da garoa]
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frigidia.

Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera   [Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem...]

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?" [É que Narciso acha feio o que não e espelho - Sampa, de Caetano]

E é claro que possivelmente há neste e em todos os outros sonetos muito mais referências externas que enriquecem o escrito. 
Também enriquecedores são os personagens que transitam em suas crônicas: velhos, apelidados, amigos, dirigentes, cinemas, filmes, atores, etc. Como na crônica "001", em que me deu uma vontade tremenda de conhecer o querido amigo de Vinícius, Otto Lara Resende. 

"Outros [amigos], pelo contrário, como Otto parecem estar sempre esticando uma mãozinha disfarçada para nos ajudar a carregar a nossa cruz. São seres de bons fluidos, que, quando a gente encontra o dia melhora. Eles têm o dom da palavra certa no momento certo e mesmo que tomem o maior dos pileques jamais se tornarão motivo de desarmonia. Sabem respeitar ao máximo a liberdade alheia a verdade alheia e a mulher alheia. E não é outra a razão pela qual Otto Lara Resende tem tantos 'deslumbrados' dos quais o mais conhecido é sem dúvida o seu maior 'promotor', o teatrólogo Nelson Rodrigues".


Em tom distinto, menos sentimental e mais infantil, Vininha nos coloca no meio de uma ciranda e nos lembra do que e ser criança como no poema "Modinha" e "Amor" - (Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca/ Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo). 
E nos coloca em meio ao fascínio do amor e apaixonamento com "Receita de Mulher" - (As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental), "Soneto do Amor Total", "Namorados Públicos", "Soneto de Fidelidade".

Um livro nascido do querido Sebo do Messias, na Sé, que me inebriou por alguns dias e que renovou meus votos com o querido poeta, inspiração para o nome do meu irmão.

Uma música:
POEMA DOS OLHOS DA AMADA

Um - o melhor - texto:

PARA VIVER UM GRANDE AMOR

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.





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