Tarde fria em São Paulo.
Depois de um período bastante seco e de muito sol, desde o final de semana reconheço São Paulo na garoa fina - mas não mais tão fria - e nas chuvas que caíram durante todo o dia de sábado. O arzinho mais gelado da cidade me inebria.
Assim que terminei de ler Morte Súbita comecei a leitura de O lado bom da vida (The Silver Linings Playbook), de Matthew Quick. O narrador desta história apresenta-se em primeira pessoa, diretamente conversando com o leitor curioso dos detalhes de seu aprisionamento num 'lugar ruim'.
Diferentemente do primeiro livro mencionado, onisciente, em O lado bom... temos frequentemente o contato com os pensamentos de Pat, descritos por este, portanto ser astuto e perceber o que é a realidade mental e o que é a realidade do entorno é um exercício importante. É como em Dom Casmurro, de Machado de Assis: no que acreditar quando só conhecemos um lado da história? É divertido tentar adivinhar se o que está acontecendo faz parte das autorregras do personagem, de seu sistema peculiar de crenças, ou se efetivamente se aplica a seu entorno.
Além disso, o livro evidencia sobremaneira a importância da reinserção social de pessoas com problemas psíquicos em seu meio, com entes queridos e uma rede de apoio que com certeza deve sofrer com as dificuldades, mas que é essencial para o controle de impulsos, a construção de significados e sentidos do indivíduo, a sanidade e saúde mental.
Faltam ainda poucas páginas para terminar o livro e o que mais me chamou a atenção foi o terapeuta de Pat, Cliff. O personagem principal evidentemente evolui positivamente durante cinco meses de relatos, divididos em capítulos curtinhos, e é belo observar as descrições que este faz em relação a seu terapeuta. Percebemos as habilidades sociais de Pat ao descrever e conseguir reconhecer as reações de seu terapeuta, tanto quanto podemos ver a construção do vínculo entre paciente e terapeuta - passagens muito bonitas do livro.
Em paralelo às impressões sobre este livro, gostaria de relatar uma entrevista da qual participei hoje. O processo de busca por trabalho e o hunting das empresas pode ser conduzido de formas muito diferentes. Em princípio acredito que o trabalho humano, quando valorizado e bem explorado tem o imenso potencial de extrair o melhor de cada pessoa e foi como me senti hoje.
Ter a chance de falar sobre si, sobre suas experiências, objetivos e habilidades é algo que demanda uma articulação e boas falas, além do autoconhecimento e auto-observação. Mas a maneira como alguém demanda sua apresentação tem o poder de te fazer entender bem a si mesmo, definir metas e objetivos e buscar o melhor de si. Exploração boa.
No livro, Pat promove uma exploração exagerada pela definição de um corpo perfeito, mas com um objetivo claro. Constantemente evidencia o quanto explora as reações das outras pessoas, descrevendo como tais reações o afetam e a partir disso o que ele espera delas.
O terapeuta de Pat explora suas emoções, autocontrole e afetos promovendo o equilíbrio psíquico e mental de seu paciente, mas só alcança resultados a partir de boas habilidades e da participação efetiva do outro.
Então... a boa exploração tem poder. Um poder que a psicologia, fico contente em destacar, sempre se esforça por alcançar e desenvolver. O psicólogo parte do acompanhamento próximo e 'organização das ideias e emoções' para que cada um possa ser o melhor que puder, para si e para o mundo.
Pat me fez lembrar um pouco o livro Poliana e Poliana Moça, de Eleanor H. Porter, já que ambos personagens principais exercitam a positividade e a esperança de que no final tudo irá acabar bem.
Seja uma expectativa, uma chance de trabalho, uma promessa. O importante é acreditar e continuamente explorar o que há de melhor e mais complexo em cada um. O lado bom da vida é a oportunidade de descoberta da felicidade.
Pós-scriptium:
Como fiz com o primeiro livro, gostaria de transcrever passagens que me chamaram a atenção em O lado bom... aí vão.
"Cliff não fiz que devo encarar o que ele acha que é minha realidade."
A respeito do romance A redoma de vidro, de Sylvia Plath
"_ Porque esse romance ensina os jovens a serem pessimistas. Nenhuma esperança no fim, nenhum final feliz. Os adolescentes devem aprender que...
_ A vida é dura, Pat, e os jovens têm de saber quão difícil ela pode ser.
_ Por quê?
_ Para que sejam solidários. Para que compreendam que algumas pessoas têm mais dificuldades do que eles e que uma passagem por este mundo pode ser uma experiência totalmente diferente, dependendo de quais substâncias químicas estão ativas na mente de um indivíduo."
"Ele comete alguns erros, mas eu nem ligo, porque ele está se esforçando muito para tocar a música corretamente para mim e é isso que importa, não é?"
"Nas fotos, minha mãe está usando um vestido marrom-chocolate e uma faixa vermelho-sangue sobre os ombros nus. A cor de seu batom combina perfeitamente com a da faixa, mas ela está usando muita maquiagem nos olhos, o que a faz parecer um guaxinim. Por outro lado, seu cabelo está arrumado com aquilo que Nikki chamaria de 'um penteado clássico' e está muito bonito, então digo à minha mãe que ela é muito fotogênica, o que a faz sorrir."
"Muitas vezes a vida real acaba mal, como aconteceu com nosso casamento, Pat. E a literatura tenta documentar essa realidade, mostrando que ainda é possível suportá-la com nobreza."
Acho que está passando da hora que converter-se numa crítica de livros. Ótimo.
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